Quando pensamos no
ensino da língua portuguesa, embora as regras e normas da gramática sejam
necessárias e importantes, muitas vezes profissionais da área encontram
dificuldade em explicar conteúdos gramaticais, como são tratados pelas normas
tradicionais. Os estudiosos e pesquisadores buscam novas formas para utilizar e
aplicar de maneira prática a nossa língua.
Assim sendo, pretendo levantar a seguinte
questão: O grau dos substantivos deve ser considerado flexão ou derivação? Para
melhor compreensão do assunto veremos o que pensam os linguistas e gramáticos
sobre a matéria, a diferença entre flexão e derivação, e no final mostrarei
porque o substantivo não se flexiona em grau.
Os autores Celso Cunha e Lindley Cintra – Nova Gramática do
Português Contemporâneo (2008), seguem a NGB, apresentando três graus dos
substantivos quanto a flexão: normal, aumentativo e diminutivo. Os adjetivos
também seguem a mesma norma. Eles ressaltam que nem sempre o aumentativo está
relacionado ao aumento de tamanho e o diminutivo a redução do tamanho do ser ou
objeto descrito. Em alguns casos, podem significar depreciação, afeto e expressão
de outros tipos de sentimentos.
Emani Terra e José de Nicola, na Gramática de Hoje
(2008), também
segue a NGB, afirmando: “Visto que o substantivo pode variar, vamos ampliar a
definição de substantivo: substantivo é a palavra variável em gênero, número e
grau que dá nome aos seres”. Eles defendem que o grau é puramente flexional,
considerando que “o substantivo admite flexão de grau, isto é, podemos indicar
o tamanho do ser que o substantivo representa em relação a um grau considerado
normal”
Matoso Câmara (1970), o primeiro a considerar o assunto, na
primeira metade do século XX, posicionou-se contra a tradição gramatical
considerando a expressão de grau como um processo não flexional: “a expressão
de grau não é um processo flexional em português, porque não é um mecanismo
obrigatório e coerente, e não estabelece paradigmas exaustivos e de termos
exclusivos entre si”.
Seguindo a linha de
pensamento de Câmara, Evanildo Bechara,
na Moderna Gramática Portuguesa (2009), não concorda com o que diz a NGB e
ressalta que o grau não é um processo flexional, e sim derivacional,
fazendo-nos refletir entre flexão e derivação. Também aborda a diferença entre
substantivo, adjetivo e pronome, onde para muitos podem ser considerados um
processo de flexão, ocorre o oposto, ou seja, um processo derivacional.
Por incrível que
pareça, após pesquisa em algumas gramáticas escolares acerca da definição de
flexão, não encontrei. A maioria delas traz o seguinte, ao iniciar o capítulo
sobre flexão: “O substantivo flexiona-se em gênero, número e grau.” Fiquei
curioso! Por que será que não explicam o que é uma flexão?
Segundo o prof. José
Pereira da Silva, flexão é a modificação que a palavra sofre para concordar com
outras. A flexão é formar modos de dizer a mesma palavra.
Por que a flexão é um
processo sistemático, fechado, obrigatório, e de congruência (ou concordância)?
“No plano sintagmático, a flexão provoca o fenômeno da concordância: móvel novo
> móveis novos em oposição a a casa nova > a casinha nova.” (BECHARA,
1999: 341)
Para entender melhor
a flexão, vejamos a definição dada por Câmara Jr. em seu Estrutura da Língua
Portuguesa: “... o gramático latino Varrão (116 a.C. – 26 a.C.) distinguia
entre o processo de derivatio voluntaria, que cria novas palavras, e a
derivatio naturalis, para indicar modalidades específicas de uma dada palavra.”
(CÂMARA JR., 1970: 81) Podemos perfeitamente depreender que a derivativo
voluntária representa bem a derivação e a derivativo naturalis, a flexão.
No entanto, a derivação
é um processo de formação de novas palavras através do acréscimo a afixos a um
radical (base). E esta nova palavra tem um novo significado, remetendo-nos a um
outro ser diferente daquele que a ela deu origem. A derivação é um processo
assistemático, porque não há regras para o surgimento de novas palavras. Há
palavras que sofrem a derivação e outras não. Dependerá da necessidade que o
falante/escritor tem em nomear seres, ações, estados, etc.
Mattoso Câmara em sua
Estrutura da Língua Portuguesa, 1970, deu-nos um ótimo exemplo: “Uma derivação
pode aparecer par um dado vocábulo e faltar para um vocábulo congênere. De
cantar, por exemplo, deriva-se cantarolar, mas não derivações análogas para
falar e gritar, outros dois tipos de atividade da voz humana.” (CÂMARA, JR.,
1970: 81)
Importante salientar
que a derivação é um processo aberto, porque existe a possibilidade de fazer ou
não a derivação de um dado vocábulo. Vejamos alguns exemplos de derivação: Café
– cafezal; Oliva – oliveira; Mesa – mesário; Sal – salário; Elefante –
elefanta; Profeta – profetisa; Aluno – aluna.
Há também casos de derivação cuja palavra
léxica é a mesma, porém como podemos perceber os significados são distintos:
Veja o exemplo: O cabeça – líder. A cabeça – uma das grandes divisões do corpo
humano constituída por crânio e pela face.
Considerando, que a
derivação é o processo pelo qual formamos uma nova palavra, ou seja, se o
acréscimo de um morfema traz nova significação. Que as gramáticas escolares, de
um modo geral, trazem a questão da variação de grau do substantivo como flexão.
Leva-nos a seguinte conclusão: Se ao acrescentar o sufixo derivacional “zinha”
à base do vocábulo mulher, tem-se não só uma nova palavra, como também um novo
significado, bem diferente do anterior. Desta forma, não há flexão de mulher
para mulherzinha, e sim derivação.
Penso exatamente como
o prof. Evanildo Bechara em sua Gramática Escolar da Língua Portuguesa, quando
afirmou:
“Os substantivos
apresentam-se com a sua significação aumentada ou diminuída, auxiliados por
sufixos derivacionais: homem –
homenzarrão – homenzinho. A NGB, confundindo flexão com derivação,
estabelece dois graus de significação do substantivo: a) aumentativo:
homenzarrão b) diminutivo: homenzinho. A derivação gradativa do substantivo se
realiza por dois processos, numa prova evidente de que estamos diante de um
processo de derivação, e não de flexão: a) sintético – consiste no acréscimo de
um final especial chamado sufixo derivacional aumentativo ou diminutivo:
homenzarrão, homenzinho; b) analítico – consiste no emprego de uma palavra de
aumento ou diminuição (grande, enorme, pequeno, etc.) junto ao substantivo:
homem grande, homem pequeno.”
Referências:
BECHARA, E. Moderna
gramática portuguesa. 37. ed. rev. ampl. e atual conforme o novo Acordo
Ortográfico. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
CALICCHIO, F. C. Língua
Portuguesa I. Maringá-PR: UniCesumar, 2017. Reimpresso em 2018. 310 p.
CAMARA, Jr. Estrutura da
língua portuguesa. Disponível em: https://bit.ly/2KFPNIu. Acesso em: 15 jun.
2018.
CUNHA, C.; CINTRA, L. Nova
gramatica do português contemporâneo. 5. ed. Rio de Janeiro: Lexicon, 2008.
TERRA, E.; NICOLA, J. de.
Gramática de hoje. São Paulo: Scipione, 2008